O crime do padre Amaro
Depois de ter visto alguns dos episódios de "O Crime do padre Amaro" na RTP, decidi pegar no meu volume do livro e depois de alguns bons anos, relê-lo.
Não tinha memória da segunda metade do livro, agora percebo porquê, demasiado violenta, é o pior do ser humano a vir ao de cima. Já da primeira metade, tinha boas memórias e lembrava-me bem da diversão que foi lê-lo.
Esta versão televisiva foi bastante transformada naquilo que se julga que o espectador quer. Eu não apreciei muito e sem qualquer dúvida aconselho a lerem o livro.
No panorama actual, a história do padre Amaro e compinchas não destoa, talvez seja mais desculpável do que acontece actualmente porque, pelo menos, os prazeres carnais são com senhoras adultas que sabem bem o que fazem.
Tenho de deixar aqui a parte que nunca saiu da minha memória, e com a qual ri-me sozinha na altura em que o li ainda adolescente.
E os três padres então foram até à porta da cozinha. As senhoras já lá estavam, em pé diante da lareira, batidas da luz violenta da fogueira que fazia destacar estranhamente as mantas de agasalho de que já se tinham coberto. A "Ruça" de joelhos, soprava, esfalfada. Tinha cortado com o facão a encadernação do "Panorama" e as folhas retorcidas e negras, com um faiscar de fagulhas, voavam pela chaminé nas línguas de fogo claro. Só a luva de pelica não se consumia. Debalde com as tenazes a punham no vivo da chama: tisnava, reduzida a um caroço engorolado; mas não ardia. E a sua resistência aterrava as senhoras. - É que é da mão direita com que cometeu o desacato! - dizia furiosa D. Maria da Assunção. - Bufa-lhe, rapariga, bufa-lhe! - aconselhava da porta o cónego muito divertido. - O mano faz favor de não troçar com coisas sérias! - gritou D. Josefa. - Oh, mana, a senhora quer saber melhor que um sacerdote como é que se queima um ímpio? A pretensão não está má! É bufar-lhe, é bufar-lhe!
Infelizmente, não se lembraram de colocar esta (e outras) passagem na série. É pena. Focaram-se no sórdido, dando-lhe toda a primazia.